Home Governo de Portugal DGPC Home UNESCO
English Version

Espaço e Tempo

 

Nascido da fé de D. João I, o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, vulgarmente conhecido pelo nome de Mosteiro da Batalha, dinamizou a constituição e a transformação sucessiva do território, ao longo de mais de seis séculos. O núcleo inicial desse território foi a Quinta do Pinhal, comprada pelo rei a Egas Coelho e Maria Fernandes de Meira, mãe deste, pouco após o triunfo de Aljubarrota (1385), para a construção do mosteiro. Como primeiras instalações conventuais, dispôs a comunidade dominicana, a quem o rei doou o mosteiro em 1388, da igreja que ficaria conhecida pelo nome de Santa Maria-a-Velha e seus anexos. Estes edifícios podem ter resultado da adaptação de outros que já existissem no lugar.

 

Uma particularidade do mosteiro dominicano da Batalha consistiu na capacidade de constituir território próprio, através da doação, compra e troca de propriedades, excecionalmente autorizada a esta comunidade mendicante por bula papal de Bonifácio IX, logo em 1391.

 

O compromisso da dinastia de Avis para com o Mosteiro da Batalha adquire uma nova dimensão, a partir do momento em D. João I decide aí fundar o seu próprio panteão, ato em que foi secundado pelo sucessor, D. Duarte. Neste contexto, os reis portugueses até D. João III, à exceção de D. João II, continuarão a apoiar o engrandecimento da Batalha. É certo, porém, que tanto D. Manuel I como D. João III, revelam preocupações relacionadas, de preferência, com a conclusão do sistema hidráulico e do panteão eduardino, bem como do encerramento de vãos com vitrais ou da sua transformação através de elaboradas bandeiras. Durante o reinado de D. Afonso V, ocorrera a primeira ampliação do convento, com a construção de um claustro de dois andares: o piso térreo albergava provavelmente, já nessa altura, dependências destinadas ao armazenamento de provisões; o piso de sobrado destinava-se às celas dos frades, nele se encontrando certamente também a livraria, o cartório, a botica e a enfermaria.

 

Ao longo do século XV, outros terrenos se vêm juntar às parcelas iniciais da Quinta do Pinhal, tanto por doação piedosa como por compra. No século XVI, prossegue a política do mosteiro de unificar o seu território, desta vez através da permuta de propriedades.

 

A partir de 1551, o Mosteiro da Batalha sofre uma profunda reconfiguração, devido à reforma geral da Igreja Católica e ao incremento dos estudos teológicos no próprio mosteiro, acrescentando-se dois novos claustros e dependências respetivas aos edifícios góticos. Os Frades Pregadores passam a estar sujeitos à clausura rigorosa, equilibrada pela contemplação da Natureza e pelo recreio ao ar livre. Ao mesmo tempo, o Studium da Batalha é promovido à categoria de generale, isto é, universitário. Os claustros quinhentistas e os seus anexos viriam a ser demolidos durante as obras de restauro do monumento, no século XIX.

 

Em 1514, a Quinta do Pinhal foi rigorosamente delimitada em relação às propriedades circunvizinhas, preparando-se, assim, o respetivo encerramento por um muro, durante os anos 40 do século XVI, que dá origem à chamada cerca conventual. Este novo conceito integra o espaço da paisagem rural na clausura monástica e dá expressão a uma relação entre o edificado e o espaço natural que atravessará incólume quase quatro séculos e meio de história da paisagem.

O mosteiro condicionou a formação da vila da Batalha, cujo gérmen se situa nas imediações da desaparecida igreja de Santa Maria-a-Velha. Aí existiu a mais antiga praça da vila, profundamente reconfigurada com a ampliação quinhentista do mosteiro, que lhe conferiu uma monumentalidade sem precedentes, ao erguer uma longa fachada ritmada por janelas, em que se inscrevia uma portaria notável. Aí passavam também algumas das mais antigas artérias da localidade: a Rua Velha para o Convento e a Rua de Nossa Senhora do Caminho, ainda hoje existente. Ambas convergiam para a saída da Batalha, em direção à Golpilheira e a Leiria. À beira desta estrada, uma capela da invocação de Nossa Senhora do Caminho, encastrada na cerca conventual, oferecia proteção para a viagem. A estrada atravessava depois o rio por uma ponte. Ladeava-a, à esquerda, o muro da cerca, que, alguns metros adiante, infletia para norte, marcando serventias dos campos adjacentes.

 

A história do convento dominicano da Batalha, desde meados do século XVI até 1834, data da sua extinção, é menos bem conhecida do que a dos períodos de labor do estaleiro gótico. No entanto, além do que atrás se referiu, existe ideia clara de alguns momentos dramáticos na vida da comunidade monástica, durante este período: o terramoto de 1755, a Terceira Invasão Francesa (1810) e a extinção do convento, em 1834.

 

O longo crepúsculo que foi esta época fascinou alguns estrangeiros que, por fortuna ou curiosidade, então visitaram a Batalha. Foram recebidos pelos Frades Pregadores que os acolheram na medida das suas escassas possibilidades. Todos destacam as dificuldades, o esforço, a dignidade e o caráter, a um tempo austero e amável, dos conventuais. Estes visitantes eram maioritariamente súbditos da Coroa britânica, bem relacionados com a Casa Real portuguesa ou, pelo menos, bem recomendados à comunidade de comerciantes ingleses estabelecida entre nós. Por via de tais relações chegaram ao Mosteiro. Em Portugal encontraram um mundo havia muito extinto na sua pátria devido ao avanço industrial, agrícola e científico. Esse mundo encontrava-se ameaçado pelas revoluções liberais que se sucederiam em cadeia pela Europa e na América do Norte. A primeira foi a Revolução Francesa, em 1789, ano em que Murphy veio para a Batalha.

 

O testemunho que nos é deixado, em particular por James Murphy e William Beckford, parece ser um daqueles acasos da História em que se conjugam circunstâncias de tal maneira extremas que daí resulta um canto sobre a beleza de um tempo sem retorno, porém pouco diferente, na sua essência humana, do fim de tantos outros tempos.

 

A propriedade dominicana da Batalha não se limitava à cerca conventual. Negligenciando as propriedades foreiras, não pode esquecer-se a vizinha Quinta da Várzea, explorada diretamente pela comunidade e lugar de desafogo para os frades de clausura, pelo menos a partir do século XVII.

 

Após a extinção do convento, em 1834, edifícios conventuais e cerca conhecem sortes distintas: os edifícios ficam na posse do Estado mas a quinta é vendida a um particular, José Maria Crespo, vindo a ser desarticulada do mosteiro e, por consequência, reconfigurada a respetiva cerca. Nesta última fase da sua existência, a antiga quinta conventual ficará conhecida pelo nome de Quinta da Cerca. O mosteiro teria que esperar até ao final de 1840 para começar a receber a atenção do Governo que, sensibilizado pelo rei consorte D. Fernando II, o dotou de orçamento anual para restauro.

 

Com o restauro do Mosteiro da Batalha, inicia-se uma nova época na vida dos antigos edifícios conventuais, que é ainda aquela que vivemos. Passam a ser olhados exclusivamente como memorial e monumento, destituídos, no essencial, de valores de uso religiosos, cabendo ao Estado zelar pelos novos valores assumidos. De um modo geral, foram apagados os vestígios de vida conventual, especialmente aqueles que diziam respeito à reforma do século XVI e que eram representados por dois claustros maneiristas e suas dependências. Estas circunstâncias resultam de um ambiente geral de anticlericalismo e do gosto oitocentista pelos estilos medievais em detrimento da arquitetura de outras épocas. O uso da igreja e da sacristia pela paróquia da Batalha manterá uma ténue chama de vida religiosa até ao presente.

 

A função memorial da Batalha, recuperada, em parte, com o interesse do rei D. Carlos I pela renovação dos túmulos de D. Afonso V, D. João II e do príncipe D. Afonso, viria a ser ampliada através da escolha deste monumento para receber, a partir de 1921, o principal testemunho de homenagem a todos os Portugueses que haviam perdido a vida na I Grande Guerra Mundial – o túmulo do Soldado Desconhecido.

 

Durante o período da ditadura do Estado Novo, o Mosteiro da Batalha assumir-se-á, da forma mais visível, como símbolo pátrio, após um longo período de preparação, que remonta ao restauro dos próprios edifícios, aos escritos nacionalistas de Alexandre Herculano e, naturalmente, à sua escolha, durante a Primeira República, para receber o túmulo do Soldado Desconhecido. É também nesta época, em particular a partir da década de 40 do século XX, que se decide tratar a zona envolvente do monumento da forma que se entendeu condigna, propondo a abertura de frentes de grande profundidade em torno do edifício. O projeto dessa época só viria a ser implementado em articulação com a construção de uma variante à estrada nacional nº 1, atual IC2, em 1964, que implicou a demolição de uma boa parte da antiga vila da Batalha, bem como a significativa alteração da sua topografia no lado poente.

 

Deixada em herança por José Maria Crespo à sua filha, Júlia Charters Crespo, a Quinta da Cerca viria a ser doada pela mesma ao Seminário Diocesano de Leiria, que a explorou até aos anos 70 do século XX. Acabou por ser vendida, na sua maior parte, a particulares e adquirida depois por várias pessoas, privadas e públicas, nomeadamente para a construção do último núcleo previsto no anteplano de urbanização do arquiteto Inácio Peres Fernandes, de 1959 – a Célula C.

 

 

rss