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Simbólica

 

Relativamente à arquitetura, inscreve-se a simbólica no campo mais vasto da iconologia, isto é, no estudo do significado cultural das imagens, com a particularidade de que aquilo que é simbólico tem um sentido metafórico, diferente do seu sentido literal. É simbólico, por exemplo, o facto de se reconhecer na representação de uma alcachofra, a renovação da vida, a ressurreição de Jesus ou a perenidade de um rei. Não é simbólica, por exemplo, a representação de figuras do Antigo e do Novo Testamento, que se reconhecem como aquilo que são.

 

A composição do portal principal da igreja é simbólica, na medida em que existe uma relação deliberada entre as figuras para significar a Igreja e a sua história. Uma hierarquia celestial, que desce dos serafins e anjos músicos até aos santos e mártires cristãos, passando por reis e profetas do Antigo Testamento, organizada nas arquivoltas que abraçam o tímpano, deixa de fora o testemunho da vinda de Cristo – os Evangelhos –, que aparecem justamente neste mesmo tímpano, com os seus autores, em torno de Deus Pai. Abaixo, nos pés-direitos do portal, veem-se os Apóstolos, que difundiram depois o testemunho pelos quatro cantos do mundo. É concedido, pois, um lugar de destaque à Nova Aliança. Deus Pai volta a aparecer no topo do portal, coroando a Virgem.

 

Tanto nas mísulas que sustentam os apóstolos situados junto ao vão como no enquadramento retangular do arco da fachada, encontramos os escudos de D. João I e de D. Filipa de Lencastre, que, como símbolos de poder, tinham recebido já um tratamento desenvolvido no portal lateral. Neste caso, aparece o brasão completo com o grifo, o elmo e o escudo. Os escudos régios e principescos vão repetir-se ao longo de todo o conjunto monástico, em túmulos, chaves de abóbada, bandeiras de janelas, paredes, no púlpito do refeitório, em vitrais e pinturas murais.

 

Os túmulos quatrocentistas que se encontram na Capela do Fundador obedecem a um código simbólico preciso, que, além das armas pessoais, integra dignidades militares e a divisa de cada tumulado, uma prática que se consagrou na dinastia de Avis. A divisa é constituída por uma legenda (alma, mote ou lema da divisa) e uma imagem (corpo da divisa). Assim, por exemplo, D. João I tem por mote “Por bem” e por corpo da divisa o pilriteiro.

 

Pessoa

Alma da divisa

Corpo da divisa

D. João I

Por bem

Pilriteiro

D. Filipa de Lencastre

Yl me plet

Pilriteiro

D. Duarte

Tan ya serey

Hera

Infante D. Fernando

Le bien me plet

Ramos de roseira entrelaçados em três cículos

Infante D. João

Jay bien reson

Bolsa com três vieiras

Infante D. Henrique

Talant de bien fere

Ramos de carrasqueiro

Infante D. Pedro

Desir

Balança

D. Afonso V

Jamais

Rodízio aspergindo gotas, com a inscrição "VII e"

D. João II

Pola lei e pola grei

Pelicano alimentando as crias com o próprio sangue

D. Manuel I

Spera in Deo e fac bonitatem

Esfera armilar, eventualmente com a inscrição "MROE" na elíptica

O corpo das divisas tem, em si mesmo, um significado metafórico. Por exemplo, a hera, adotada por D. Duarte, representou, durante o período medieval, a amizade cavaleiresca e a fidelidade até à morte, e a balança do infante D. Pedro relaciona-se com o Arcanjo S. Miguel, seu protector.

 

Foi no reinado de D. Manuel I que as imagens simbólicas passaram a ocupar um lugar sem precedentes na arquitetura, o que se conjugou com a evolução formal desta. Semelhante dispositivo imagético fazia parte de um vasto programa de afirmação do poder régio, que se pretende mais sacralizado e centralizado que nunca. Na Batalha, não existe um edifício completo que testemunhe esta realidade, contrariamente ao que sucede, por exemplo, em Tomar. No entanto, é claramente patente a intenção de dar corpo a um tal programa, através quer dos vitrais da capela-mor e da casa capitular, quer das bandeiras e do lavabo do Claustro Real, quer ainda e sobretudo do portal das Capelas Imperfeitas, que deveria ter tido como sequência lógica a conclusão do edifício, dentro do mesmo espírito. Na capela-mor, acrescenta-se à heráldica régia, tal como na fachada ocidental da igreja do Convento de Cristo, a representação à esquerda e à direita, respetivamente, da cavalaria espiritual e da cavalaria temporal, através de duas figuras porta-estandarte. As relações de poder entre a Coroa e os Dominicanos são explicitadas pela substituição dos santos protetores do casal régio, ali retratado, por dois frades pregadores. Nos vitrais da casa capitular, associam-se às cenas da Paixão representadas nas lancetas, a heráldica régia, a dominicana e instrumentos da Paixão. A Cruz de Cristo e a esfera armilar aparecerão de novo, ainda que discretamente, nas bandeiras de pedra das grandes janelas do Claustro Real. O portal das Capelas Imperfeitas é o aparato simbólico mais impressionante de todos os edifícios monásticos pela proliferação, a toda a altura dos pés-direitos voltados a poente, da empresa de D. Duarte, despontando, aqui e além, alcachofras e desfilando caracóis, na base. À alcachofra está associado o mistério da Ressurreição; o caracol é símbolo de regeneração periódica, morte e renascimento. O lado nascente do portal mostra, ainda que comedidamente, a heráldica de D. Manuel. A mesma se repete em todas as capelas do panteão eduardino, à exceção de duas, de se que distingue a de D. João II, em cujos fechos de abóbada se destacam o pelicano, corpo da divisa do rei, e o camaroeiro, corpo da divisa de rainha D. Leonor.

 

Um lugar especial ocupam as gárgulas, dotadas de sentido simbólico ora difuso, ora indecifrável. São maioritariamente monstros compostos de partes de vários animais, ou mesmo seres fantásticos dotados, por vezes, de um sentido particular de absurdo ou obscenidade. Por este motivo, têm sido interpretadas das mais diversas maneiras: seres protetores, reflexo de uma visão carnavalesca do mundo, espaço marginal de liberdade criativa para os escultores, etc. O seu maior mérito parece residir na riqueza de interpretações que sugerem e no estímulo que representam para a imaginação de todos. Em todo o caso, na Batalha, muitas gárgulas foram substituídas ou simplesmente refeitas durante os restauros oitocentistas, o que dificulta a abordagem a um eventual programa iconográfico medieval.

 

Além do sentido metafórico do que é figurado ou escrito, está presente no Mosteiro da Batalha uma outra dimensão simbólica, mais abstrata. Sabe-se que a conceção de edifícios religiosos, na Idade Média, obedecia a preceitos simbólicos, no que se refere tanto à respetiva geometria, nomeadamente em planta, como às relações numéricas de elementos construtivos e dimensionais. A segunda ocorrência requer mais interpretação, a partir do sistema de medidas utilizado (pé romano, pé de rei ou sistema craveiro); de outra forma, não é possível chegar às relações numéricas originais, que se baseiam sempre nas unidades de medida, seus múltiplos e submúltiplos. Quanto à geometria dos edifícios, reconhecem-se aspetos simbólicos com alguma facilidade. Além da mais evidente cruz latina da planta da igreja, a que parece associar-se o número oito (número da Ressurreição) com certa insistência, em elementos construtivos e vãos, é notório o simbolismo dos panteões. Em planimetria, a Capela do Fundador é constituída por um octógono inscrito num quadrado. A escolha da planta centrada para um edifício funerário é, já de si, sintomática, na medida em que recua ao modelo do Santo Sepulcro, como acontecera já, no passado, com outras construções portuguesas, sendo a mais famosa de todas a Charola templária de Tomar. Porém, o que é curioso na Capela do Fundador é o facto de existir uma base quadrangular que tende para o círculo através da forma de transição que é o octógono. Na teologia medieval, o quadrado é uma forma associada ao que é terreno e imperfeito e o círculo, ao que é celestial e perfeito. Torna-se fácil de compreender, neste contexto, o caráter propiciador e simbólico do plano. O octógono foi retomado pelo mesmo arquiteto, Huguet, no projeto das Capelas Imperfeitas.

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