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James Murphy

Percebe-se, desde logo, que a vinda de James Murphy (1760-1814) não se inscreve no Grand Tour de um jovem aristocrata, sendo antes acaso de fortuna que, desta vez, tocou a um homem de talento já reconhecido mas que começara a sua carreira de maneira menos fácil. James Murphy nasceu de uma família humilde de Blackrock, próximo de Cork, na Irlanda. Era pedreiro quando foi reconhecida a sua vocação para o desenho e a caricatura, sendo-lhe dada a possibilidade de ir para Dublin estudar desenho e pintura, e, mais tarde, arquitetura.

Ao serviço já de William Conyngham, Murphy veio a Portugal desenhar o Mosteiro da Batalha, em 1788. Embarcou em Dublin, a 27 de dezembro desse ano, e desembarcou no Porto, no dia 8 de janeiro de 1789. Aí obteve carta de apresentação de um comerciante da colónia inglesa ao Prior da Batalha, fazendo uma jornada de 7 dias até ao Mosteiro, onde chegou a 29 de janeiro. Aqui residiu durante treze semanas, que ocupou a medir e desenhar exaustivamente o edifício. Seguiu-se um périplo pelo País, durante o restante ano de 1789, que terminou em Évora. Em 1790, Murphy regressa à sua pátria, onde começa a preparar a publicação dos desenhos, acompanhados de uma introdução teórica em que discute os fundamentos da arquitetura gótica, bem como da tradução de uma parte da História de S. Domingos de Frei Luís de Sousa. A sua obra, intitulada Plans, Elevations, Sections and Views of the the Church of Batalha, foi publicada em fascículos, entre 1792 e 1795, obtendo pronta aceitação por parte de um exigente público que é conhecido, em grande parte, pelas listas de assinantes publicadas no final dos fascículos. Entre eles contavam-se o príncipe regente português e os monarcas britânicos, Horace Walpole, James Wyatt, William Beckford, e, naturalmente, William Conyngham e o Mosteiro da Batalha. O livro de Murphy seria o primeiro de uma série de levantamentos rigorosos publicados sobre edifícios góticos, desta vez ingleses, que correspondeu ao interesse nascente pelo conhecimento profundo da sua arquitetura, com o objetivo de projetar usando os seus princípios formais, ou mesmo de empreender o respetivo restauro. Com a publicação de Plans, Elevations, Sections, etc., consolidava-se também o prestígio do seu mecenas, W. Conyngham, junto da Royal Antiquary Society of London, a que entretanto fora admitido em 1790.

Ainda em 1795, James Murphy dá à estampa Travels in Portugal, um diário ilustrado da sua viagem a Portugal, que, juntamente com o grande álbum que vinha a editar desde 1792, lhe deve ter trazido algum desafogo nos anos que se seguiram. Sabe-se que em 1799 voltou a estar em Portugal, procurando alimentar um projeto de levantamento de outros edifícios antigos, para o qual ainda em 1801 procurava – sem sucesso – um mecenas. Nesta última data, encontrava-se em dificuldades económicas que acabaram por o levar até Espanha, onde, entre Sevilha e Córdova, recolheria material para dois outros projetos editoriais, concretizados ainda em vida, desta feita sobre antiguidades e história da Espanha árabe.

Geralmente acusado de escritor deficitário, a que não terá sido alheia a circunstância irónica de ter sido o próprio a afirmá-lo em primeiro lugar, temos que reconhecer diversos méritos a este homem extraordinário. O primeiro de todos foi projetar o conhecimento do Mosteiro da Batalha na Europa do seu tempo; o segundo, registar edifícios conventuais que o tornam fonte única para o conhecimento de um mosteiro totalmente reconfigurado no séc. XIX, com a demolição de numerosos edifícios maneiristas; o terceiro foi proporcionar-nos informação escrita sobre a comunidade da Batalha e a sua vida no espaço conventual. Curiosamente, quem o apelidou de “enfadonho arquiteto” foi quem mais se serviu – sem o dizer – da sua inestimável contribuição.


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