O cineasta italiano Gianmarco Donaggio foi recentemente selecionado pelo maior festival de cinema do mundo – Festival Internacional de Cinema de Berlim – como Berlinale Talent 2024. Colaborou com o artista português Nelson Ferreira nos filmes experimentais Azul no Azul e Alba Nera, estando prevista a estreia de Alba Nera para dia 1 de Junho, pelas 16:00 horas, a decorrer no Mosteiro da Batalha, local onde também nasceu o projeto.
Gianmarco Donaggio encontrou a pintura de Nelson Ferreira no Museu Nacional de Arte Contemporânea em 2022, aquando da exposição Azul no Azul – com curadoria de Hilda Frias. O artista também expôs no Museu Nacional Soares dos Reis nesse mesmo ano. Vemos, ao longo da História da Arte, que a criação artística foi e é, com frequência, consequente da obra de outros artistas que a recebem, por vezes em determinados aspetos formais (que circulam no tempo e são revisitados), mas também em aspetos técnicos. Porém no caso de Gianmarco Donaggio é, não somente o receber a obra de Nelson Ferreira, como também o entrar na mente do artista enquanto este pinta: uma mente que pinta à noite, somente alla prima (à vista), entre sombras e luz, entre tons escuros onde a escultura clássica ou a arquitetura gótica oscilam na homenagem e no cenário para a criação de obra nova, e para a perceção da mesma em filme.
Alba Nera foi filmado em 2023, em boa parte, no Mosteiro da Batalha (tal como Azul no Azul, que foi filmado no MNAC em 2022), e bebe do nero (negro) e dos vários tons que nele se podem encontrar. Há também uma perspetiva crítica ao marketing da novidade como um fim em si mesmo, uma vez que, na série Veludo Negro de Nelson Ferreira, O Desterrado, de Soares dos Reis é revisitado na pintura utilizando pigmentos quimicamente puros de cor preta - em vários tons - e o pigmento menos escuro era o que, ironicamente, estava a ser vendido como sendo o "mais escuro do mundo". Demonstra-se que na arte, ao contrário do marketing e do consumismo, o profundo conhecimento de técnicas e materiais da pintura histórica (quer ocidental, quer oriental) pode ser um aliado da novidade e da criação artística: Nelson Ferreira utilizou a tinta vendida como "mais escura do mundo" para representar a claridade!
Evocar a obra de Soares dos Reis em pintura não esgota o trabalho de Nelson Ferreira, tal como se pôde observar em Caligem (patente no Mosteiro da Batalha, em 2023), onde estreou uma nova técnica refletora que chamou PlatiGleam e que não utiliza pigmentos – como na pintura histórica – mas que produz efeitos refletores variáveis conforme a incidência de luz, num sentido futurista que convida a uma observação ativa e atenta por parte de quem vê as obras (por vezes com o auxílio de uma lanterna ou telemóvel). Tal como em Azul no Azul, há sempre um sólido conhecimento técnico por trás das obras de Nelson Ferreira, a par com a enorme capacidade de leitura do seu processo criativo e mental por parte de Gianmarco Donaggio que gera, por sua vez, outra obra em filme.
O sucesso de visitantes de ambas as exposições de Nelson Ferreira no Mosteiro da Batalha: 135 mil e 126 mil, respetivamente, deixa-nos com vontade de mais e antevêem-se novas colaborações entre estes dois artistas num futuro próximo, que não deixaremos de acompanhar!
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